Documentário cearense retrata inversão de papéis ocasionada pela velhice, compõe festivais e concorre a prêmios no Pará

Documentário cearense retrata inversão de papéis ocasionada pela velhice, compõe festivais e concorre a prêmios no Pará

O documentário “Tereza e Bruno”, da jornalista e cineasta Rosane Gurgel, sequer foi lançado oficialmente e já figura como aposta do cinema brasileiro. A obra está na seleção do Pupila Film Festival, que acontece de 20 a 25 de outubro deste ano em Olinda (PE), e vai compor também a programação do Olhar Film Festival, concorrendo em quatro categorias de prêmio: Melhor Média-Metragem Nacional, Melhor Roteiro em Média-Metragem, Melhor Direção em Média-Metragem e Melhor Trilha Sonora em Média-Metragem. A divulgação dos vencedores ocorrerá no próximo sábado (22), em Castanhal (PA).

O filme retrata a inversão de papéis vivida por um jornalista e a mãe. Uma senhora no fim da vida, Tereza se torna “filha” de Bruno ao sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e ficar com sequelas definitivas da doença, uma das que mais mata no Brasil. A película terá lançamento no Ceará em novembro. Data e local ainda serão divulgados.

As gravações aconteceram na casa de Bruno, na periferia de Fortaleza, em novembro de 2020. À época, o Ceará acreditava ter vencido a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) e ensaiava uma volta à normalidade. Semanas depois, porém, uma nova onda de infecção levou a outro lockdown. Em dois dias, foram captadas 18 horas de filmagens que se transformaram em 20 minutos de um curta-metragem marcado pela emoção.

“Esse filme é pra mim um jeito de revisitar memórias da minha mãe que muitas vezes esqueço porque a rotina desde o AVC é muito diferente de tudo o que a gente viveu. A nossa nova condição, de eu me tornar uma espécie de pai, de alguém que vive uma maternidade ao contrário, obrigou a gente a criar novas memórias nossas. Então, muita coisa fica pelo caminho. Ver a nossa história contada desse jeito, com tanto cuidado e carinho, me permite não esquecer que a relação da gente foi cheia de amor sempre e não só porque ela precisa de mim agora. Para um Brasil que cada vez mais envelhece, essa é uma discussão urgente. Porque nós não somos educados a respeitar a velhice. O velho pra gente é um problema. Eu decidi, lá atrás, quando minha mãe veio morar comigo e era uma senhorinha saudável, que ela seria pra mim um horizonte, como foi e ainda é. O filme mostra isso”, diz Bruno de Castro.

O curta aborda temas emblemáticos como envelhecimento, maternagem, troca de papéis, cuidado paliativo, iminência de morte, limitações, medo e fraqueza. Mas também traz a simplicidade do afeto, amor incondicional, fé, acolhimento, vontade de viver e insistência na felicidade. E é mais uma linguagem artística na qual a história de Tereza e Bruno é contada.

A relação dos dois povoou primeiro o livro “E, no princípio, ela veio: crônicas de memória e amor”, lançado em março de 2020 e, naquele mesmo ano, foi finalista do Prêmio Jabuti, o mais importante do Brasil. Depois, Tereza foi retratada em tinta e papel, no talento do artista cearense Cacá (@mininorei). Em seguida, um trecho do livro na peça “Avoa Acauã, Avia Maria”, dirigido por Tiago Duarte. Agora, a vida de mãe e filho ganha o cinema pela documentarista Rosane Gurgel.

“Tereza e Bruno” é o quarto filme da cineasta, que em 2017 dirigiu o premiado documentário “Close”, sobre as conquistas e desafios de mulheres transsexuais e travestis na Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes. O filme foi exibido em festivais de cinema do Brasil e recebeu dez premiações. Rosane também dirigiu os documentários “Por trás das cortinas” (2014) e “O caminho de volta” (2012).

“Tereza e Bruno fazem parte de um projeto cinematográfico sobre as variações do maternar. No começo, a ideia era pegar diferentes modelos de maternidade e suas implicações. Quando começamos a gravar com o Bruno a dona Tereza, percebemos que ali tinha mais assuntos para abordar e senti uma necessidade de contar aquela história. Falei com o Helton, editor e diretor fotográfico da produtora amiga e parceira Comunik Filmes, e ele aceitou a ideia. A gente precisa parar de romantizar, criticar e oprimir todo tipo de maternidade. Ser mãe não é padecer no paraíso”, comenta Rosane Gurgel.

A cineasta destaca que o processo de escolha da trilha sonora foi bastante delicado e cuidadoso. Assim como na proposta do filme, a trilha ambienta esse espaço de memória, das fotografias antigas e vídeos caseiros dos personagens, conectando presente e passado, com uma instrumentação sutil de piano e cello, ressaltando a nostalgia de Bruno ao narrar a história.  Em diversos momentos, é orgânica a introdução de temas musicais com alusão ao universo musical do cancioneiro popular nordestino. Mas também existem momentos onde é dado espaço para as músicas diegéticas, reforçando o aspecto de memória daquele espaço, daquele ambiente e em alguns momentos da própria personagem e o que ela está vivendo.

“Na trilha sonora de Tereza e Bruno, temos um tema central que permeia todo o filme, com algumas variações, tanto na instrumentação, ora piano e cello em momentos mais sublimes, ora só piano, atenuando o drama vivido pelos personagens, assim como variações sobre o próprio tema, ora mais tonal, ora mais dissonante, além dos momentos de silêncio, ressaltando o vazio e solidão vividos ali, quando sentimos o contraste com os momentos de calor humano anteriormente apresentados”, ressalta o diretor de fotografia e editor, Helton Vilar. 

O TEMA, UM ALERTA
Causa da reviravolta na vida de Tereza e Bruno, o AVC mata uma pessoa a cada cinco minutos no Brasil. E deixa pelo menos 300 mil pessoas no país por ano com sequelas temporárias ou definitivas. Isso faz da realidade da dupla algo comum a muitos lares. Gente que, como o jovem jornalista, não estava preparada para lidar com uma realidade tão diferente do que se vivia até o AVC acontecer. É, portanto, um tema urgente a ser pautado, assim como a responsabilidade afetiva de filhos com mães e pais diante das consequências do fenômeno.

“Do emocional ao financeiro, tudo é muito avassalador. A vida vira de cabeça pra baixo e não te dá tempo de se adaptar. Você faz tudo com os dias correndo, as necessidades da pessoa ali, na tua frente, e você precisando ser de tudo um pouco: médico, enfermeiro, fisioterapeuta… É bem cruel. Mas o filme da Rosane mostra que, apesar disso tudo, é possível atravessar essa fase mantendo o amor, sem abandonos. Minha mãe é a minha joia mais preciosa e eu vou com ela até o fim”, acrescenta Bruno de Castro.

SINOPSE
Bruno está no começo da vida; Tereza, no final. Mãe e filho são um afeto que transcende o tempo e reclina o silêncio. Devoção aos detalhes, às memórias. Confissões e dor. São cuidado e carinho sem pressa. Ela o gestou nos afetos e na vida quando ele era garotinho. Hoje, adulto, ele acolhe o fim da vida de quem o ensinou a andar. Juntos, eles caminham no amor.

Suyane Costa