Intervenção artística urbana que propõe reflexão sobre fé e patriarcado dura menos de 24 horas

Motoristas e passageiros que passaram pelo viaduto entre o Castelão e o Aeroporto tiveram apenas algumas horas para conferir o letreiro AME AS DEUSAS, idealizado por Natália Coehl e Marcelina, para o 72º Salão de Abril

As cearenses Natália Coehl e Marcelina, do Coletivo Bruxas Urbanas, idealizaram para a 72ª edição do Salão de Abril o projeto AME AS DEUSAS. Partindo da frase “Ame a Deus”, localizada no viaduto entre o Castelão e o Aeroporto de Fortaleza, e inquietadas com aquilo, as duas decidiram através da arte questionar e propor um debate sobre temas como feminismo, ancestralidade, crenças e opressão, dentre outros, a partir da criação de letras similares para reorganizar a estrutura do letreiro em questão para o feminino.   

A ideia inicial foi a de registrar toda a transformação da frase anterior em AME AS DEUSAS, uma vez que essas fotografias, produzidas por Natália Coehl, estariam expostas no Salão de Abril. E assim foi feito. No dia seguinte, para a surpresa de ambas, a estrutura montada por elas havia sido destruída, ou seja, voltou a ser como era antes. “O AME AS DEUSAS durou menos de 24 horas”, lamenta Marcelina.

O retorno ao local, como explica Natália Coehl, se deu pela necessidade de fazer alguns ajustes no letreiro. “A gente teve muita dificuldade de fincar as novas letras. Por causa do solo, tivemos que utilizar bastante água, um elemento simbólico, para amolecer a terra. Mesmo assim, a estrutura das letras se enfraqueceu, então fizemos o máximo que deu para, no dia seguinte, colocar os parafusos corretos. Só que, quando a gente voltou, a estrutura não estava mais lá”, explica a artista. 

As obras expostas no Salão de Abril mostram apenas o processo de transformação da frase. Entretanto, o fato em si trouxe alguns questionamentos para Natália, Marcelina e todos os envolvidos no AME AS DEUSAS. Para as artistas, o letreiro ter ficado da mesma forma como estava anteriormente, em questão de horas, mostra o quanto amar as deusas pode ser, de certa forma, uma heresia.

“Quando eu e Marcelina colocamos AME AS DEUSAS, queremos levar um ponto de interrogação, pois normalmente a gente sempre utiliza a palavra Deus no gênero masculino. Mais do que nunca, vivemos em um ambiente misógino, que tem uma ancestralidade de violência contra o corpo feminino ainda muito presente. E isso ficou muito claro quando a nossa intervenção foi desfeita com tanta rapidez, mesmo que de forma simbólica”, pontua Natália Coehl.

Marcelina também destaca a importância de olhar para as diferentes possibilidades no que se refere a assuntos como religião e questões de gênero, por exemplo. O fato de a intervenção ter durado um dia apenas diz muito por si só, mas as discussões propostas pelas artistas, ao idealizar o AME AS DEUSAS, seguem em pauta. “As pessoas, de uma forma geral, não sabem se relacionar com o que é diferente. Fomos ensinados a se encaixar dentro de um padrão, mas temos uma diversidade enorme, que precisa ser entendida e respeitada”, finaliza. 

A intervenção AME AS DEUSAS, com fotos da artista Natália Coehl , pode ser vista até o dia 16 de setembro, no Centro Cultural Casa do Barão de Camocim, no Centro de Fortaleza.